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A jurisdição multiportas é funcional no Brasil?

Você sabia que pode resolver alguns de seus conflitos de forma consensual? Esta forma de resolução é mais célere e oferece segurança jurídica. Neste texto, conheça as técnicas de resolução consensual de conflitos e como são aplicadas no Brasil.

A conciliação é uma política adotada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2006[1]. Em 2015, o Código de Processo Civil adotou o modelo de jurisdição multiportas, dando maior liberdade negocial às partes[2]. Mas esse modelo é funcional no Brasil?

Para viabilizar a funcionabilidade do modelo multiportas, é necessário que as partes em conflito estejam abertas à negociação e que os demais envolvidos na sua resolução (advogados, mediadores, conciliadores) estejam capacitados. É preciso que as partes entendam o que é a conciliação, não a desvalorizem e estejam dispostas a realizá-la. Os advogados devem entender seus clientes e serem capazes de negociar, bem como assessorá-los adequadamente durante as audiências de mediação ou conciliação. Ainda, é preciso um espaço físico próprio para a conciliação e são necessários mediadores e conciliadores judiciais capacitados e cadastrados.

Priorizar as técnicas que facilitam a resolução consensual dos conflitos é norma fundamental do processo civil brasileiro. Conforme o Código de Processo Civil, cada demanda deve ser submetida à técnica ou método mais adequado para a sua solução e todos os esforços devem ser adotados para que as partes cheguem a uma solução consensual do conflito. O Estado tem o dever de promover, divulgar e fornecer o apoio necessário para a utilização dos meios adequados de resolução de conflitos[3].

O procedimento comum está organizado em duas fases. A primeira, que mais nos interessa, é voltada à resolução consensual da disputa. Caso não seja possível a solução consensual, o processo seguirá para a segunda fase – litigiosa. A primeira fase será conduzida pelo mediador ou conciliador, sem a participação direta do juiz. Quando recebe a petição inicial, dentre outras ações, o juiz determina a realização de audiência de mediação ou conciliação. Será audiência de mediação nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, e será de conciliação quando inexistir vínculo[4].

Como visto, para concretizar a medição ou conciliação são necessários esforços das partes processuais, dos advogados e do Poder Judiciário. Os desafios para a implantação do modelo multiportas, como refere João Lessa Neto, são de ordem: (i) material, pela necessidade de local físico adequado, materiais, servidores, convênios etc.; (ii) educacional, tanto de advogados quanto de servidores; e (iii) cultural, pelo errado pensamento de que conciliação e mediação seriam uma justiça de segunda linha ou meras formas de desafogar o Poder Judiciário[5].

Segundo o Conselho Nacional de Justiça no último censo divulgado (de 2020, analisando os dados de 2019), o número de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) tem crescido com o passar dos anos. Em 2014, havia 362 CEJUSCs. Em 2015, a estrutura cresceu 80,7% e avançou para 654 centros. Em 2016, o número de unidades aumentou para 808; em 2017, para 982; e, em 2018, para 1.088. No fim de 2019, havia na Justiça Estadual 1.284 CEJUSCs instalados[6].

Desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil[7], em 2016 – que tornou obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação e mediação – o número de sentenças homologatórias de acordo cresceu 5,6%, passando de 3.680.138 em 2016, para 3.887.226 em 2019. Em relação ao ano anterior, houve aumento de 228.782 sentenças homologatórias de acordo (6,3%)[8].

Percebe-se que o Poder Judiciário está direcionando esforços para cumprir o que preceitua o Código de Processo Civil[9], provendo locais adequados para mediação e conciliação. Os números demonstram que a escolha por estes meios cresce, mas de forma lenta. Ainda há muito a ser feito na parte material pela funcionalidade da jurisdição multiportas. Mas sobretudo na parte educacional e cultural, há muitas lacunas a serem preenchidas para a justa popularização (e não vulgarização) desse modelo para que os preconceitos de operadores do Direito e cidadãos sejam desfeitos.


[1]    CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano base 2019. Brasília: CNJ, 2020, p. 171.

[2]    “Art. 3, § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 26 abr. 2021.)

[3]    LESSA NETO, João Luiz. O novo CPC adotou o modelo multiportas!!! E agora?! Revista de Processo, n. 244, v. 40, pp. 427 – 441. São Paulo, jun. 2015.

[4]    “§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes […] § 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes […]” (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 26 abr. 2021).

[5]    LESSA NETO, João Luiz. O novo CPC adotou o modelo multiportas!!! E agora?! Revista de Processo, n. 244, v. 40, pp. 427 – 441. São Paulo, jun. 2015.

[6]    CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano base 2019. Brasília: CNJ, 2020, p. 171.

[7]    BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 26 abr. 2021.

[8]    CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano base 2019. Brasília: CNJ, 2020, p. 171.

[9]    “Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição” (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 26 abr. 2021).

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